o frio húmido que me alimenta a alma e me aquece por dentro

2019

Amadora

Ontem à noite, ao abrir a janela, senti o frio e a humidade a entrar por mim adentro. Ao início senti um choque, um misto de recordações, e por instantes senti que estava noutro lugar. Foram segundos, segundos que me transportaram para grande parte da minha vida, aqui e lá, onde a minha alma mora. Hoje de manhã, permanecia no ar o mesmo cheiro, a mesma frieza húmida que me aquece por dentro.  E percebi, talvez pela primeira vez de forma física, as saudades que tenho deste tipo de clima, destes locais que fazem parte de mim. Aqui não é o local da minha alma, mas foi durante metade da minha vida o local do meu corpo físico. E no fundo, não são tão distantes assim. Há algo que os une. E esse algo faz parte de mim. Talvez o universo me tenha conduzido até aqui para me reconciliar com tudo, comigo, com todos os espaços físicos e emocionais por onde já passei. Comigo. Talvez o universo me tenha conduzido até aqui porque há algo que não completei. E conduziu-me da única forma possível, pela força e inevitabilidade. Aqui estou. Em recolhimento interior e em abertura para o mundo, numa incoerência tão vital para a minha essência, que se torna coerente.

As fotos não têm qualidade nenhuma. Foram tiradas com o telemóvel numa mão e o chapéu de chuva na outra, enquanto tentava que o cachecol branco não tocasse no chão e a mala não caísse do ombro. A realidade por detrás de uma foto é um tema tão vasto. Mas estas fotos estão aqui porque representam o que reencontrei neste local...musgo. O musgo que cresce em cada fresta, colado aos muros, colado às árvores. Um musgo que está ao nosso redor, que podemos ver, sentir e cheirar, sem ser necessária uma deslocação para o interior da serra. Bastam dois passos e aí está ele. E o musgo, para mim, é o que melhor representa tudo o que descrevi anteriormente. O frio húmido que me alimenta a alma e me aquece por dentro.

*

Last night, as I opened the window, I felt the cold and the moisture pouring through me. At first I felt a shock, a mixture of memories, and for a moment I felt I was somewhere else. It was seconds, seconds that transported me to much of my life, here and there, where my soul lives. This morning the same smell remained in the air, the same damp coldness that warms me inside. And I realized, perhaps for the first time in physical form, that I miss this kind of weather, these places that are part of me. This is not the place of my soul, but it was for half of my life the place of my physical body. And deep down, they're not that far away. There is something that unites them. And that something is part of me. Perhaps the universe has led me here to reconcile me with everything, with me, with all the physical and emotional spaces I've been through. With me. Perhaps the universe has led me here because there is something I have not completed. And it led me in the only possible way, by force and inevitability. Here I am. In inner recollection and openness to the world, in an inconsistency so vital to my essence that it becomes coherent.

The photos are not of any quality. They were taken with the cell phone in one hand and the rain hat in the other while trying to keep the white scarf from touching the floor and the suitcase from falling off his shoulder. The reality behind a photo is such a vast subject. But these photos are here because they represent what I've found in this place ... moss. The moss that grows in each crevice, glued to the walls, glued to the trees. A moss that is around us, which we can see, feel and smell without having to move into the mountains. Just two steps and there it is. And the moss, to me, is the one that best represents everything I've described before. The wet cold that feeds my soul and warms me inside.